Perigos do Natal III: Ladrões-de-musgo



Estávamos todos fechados dentro de um espaço tão pequeno, apertados, empurrando-nos uns aos outros, até que uma explosão nos libertou. Uns caíram ali perto, no chão, nas pedras ou nas árvores, mas outros foram levados para longe pelo bafo do vento.
Mal tínhamos caído e já a humidade daquele dia nos ia modificando numa massa verde sem forma. Só quando me começaram a nascer finas folhas agarradas a um débil caule e olhei à minha volta, me apercebi que, à semelhança daqueles que estavam ao meu lado, eu era um musgo.
A chuva enchia-nos de vida e só nos apetecia crescer sem parar, formando tapetes vastos naquela clareira onde o meu esporo um dia tinha caído. Eu, um musgo-trançado, misturado naquele tapete de múltiplos tons verdes, de musgo-de-orelhas e musgo-rabo-de-gato.
Os meus amigos contavam-me que quando chegasse a primavera algumas pequenas aves e ratinhos-do-campo nos levariam para forrar os seus ninhos. Que alegria seria ver estas crias nascer.
Mas, mesmo antes do inverno chegar, descobrimos que não chegaríamos a forrar aqueles ninhos com que sonhávamos. Já tinham chegado ao bosque os ladrões-de-musgo e era quase certo que acabaríamos dentro de uma daquelas sacas enormes ou num daqueles baldes, prensados uns contra os outros.
E assim foi! 

Assim que chegámos à casa começaram a espalhar-nos pelo chão da sala, proporcionando-nos, finalmente, uma lufada de ar fresco. A saca ainda só estava meia vazia e nós já ocupávamos a parte da sala que nos estava destinada. Os meus amigos, comprimidos dentro da saca, foram levados... diretamente para o lixo!!! Colocados vivos dentro de um contentor! Os ladrões-de-musgo tinham trazido mais do que precisavam e nem sequer se deram ao trabalho de os levar de volta.
Fiquei profundamente triste. Só despertei do meu lamento quando um grupo de crianças entrou animada na sala. Foram desenhando caminhos de areia e espalhando vários bonecos e casinhas sobre nós. Depois de concluírem a tarefa gritaram para os ladrões-de-musgo: “Gostam do nosso presépio?”
Presépio?! O que seria isso?
Chegada a noite apercebi-me que tínhamos ficado na pior parte da casa, junto à lareira. Aquele calor insuportável, noite após noite, semana após semana, deixou-nos completamente ressequidos, embalados num sono forçado.
Porém, eu resistia, queria manter-me acordado para conversar com a minha nova amiga, a Margarida. Todas as noites, a pequena Margarida, com apenas 5 anos, deitava-se junto a mim depois do jantar, e conversávamos até ela adormecer. Todas as noites os ladrões-de-musgo, a quem Margarida chamava Papá e Mamã, a levavam ao colo para o seu quarto.
Certo dia consegui convencer a minha amiga a pegar no seu reduzido regador azul e deitar-nos um pouco de água em cima. Mal sabia eu que este simples gesto de vida para mim lhe dariam direito a um valente ralhete.
Margarida contava-me histórias sobre os humanos, sobre o Natal e sobre o Presépio, e eu contava-lhe como era a vida nos bosques e a importância dos musgos na floresta. Quando ela adormecia eu ficava a pensar nos delicados insetos que costumavam abrigar-se da chuva por baixo dos meus curtos ramos, ou do solo que deixara exposto e frágil, sujeito à erosão, quando fui levado pelos ladrões-de-musgo.
Veio o dia em que a irmã mais velha da Margarida começou a recolher e guardar todos os bonecos e casinhas e a varrer a areia dos caminhos. Os ladrões-de-musgo chegaram com um saco, e eu soube que teria o mesmo destino dos meus amigos que nunca saíram da saca.
Mas Margarida vinha a sorrir e disse-me baixinho: “Já arranjei um canteiro no jardim para vos colocar. Vamos poder continuar a conversar todos os dias.”
Animado com esta ideia o seu irmão propôs à família: “E se no próximo ano, em vez de tirarmos estas plantas da Natureza, criássemos o nosso Presépio com materiais que tivéssemos cá por casa?