Certo dia, num bosque português, nasceu um pequeno azevinho. Foi a grande felicidade dos seus familiares e até dos seus vizinhos carvalhos. Mesmo o ribeiro, que passava próximo, borbulhou uma canção de alegria.
Era um bosque isolado, no sopé de uma montanha, onde animais e plantas conviviam em equilíbrio pois naquele sítio nunca tinha entrado uma única pessoa.
O azevinho foi crescendo, crescendo, ia ser uma árvore de vinte metros como os seus pais. Quando as suas folhas, de um verde-escuro lustroso, começaram a nascer tinham o bordo coberto de espinhos, que lhe valeram o nome de Zé Picos.
As aves
aproveitavam
para esconder
os seus ninhos no meio das folhas
espinhosas. Zé Picos
ficava tão
orgulhoso por poder ser útil.
Era
muito curioso e quis saber porque é que a
sua casca
era mais lisa
que a dos seus familiares.
“À medida que fores envelhecendo a
tua casca
vai ficando mais
rugosa.” disse-lhe o ancião
do bosque.
Vivia
tranquilo e contente naquele
bosque no sopé da montanha.
O dia mais
feliz da sua
vida foi quando
viu, à sua volta,
a sua mãe, avó,
irmãs, primas e tias,
trocar as
pequenas flores brancas
e discretas por belíssimas
bagas vermelhas,
redondas e carnudas.
Certa
noite, quando já os carvalhos
tinham deixado
cair as suas
folhas e já chovia
todos os dias, aconteceu
uma tragédia.
Todas as bagas,
os seus tesouros, tinham desaparecido,
e com elas todos os ramos
e folhas espinhosas
que as protegiam.
Ninguém conseguia
explicar o que se passara
e todos choravam
uma tristeza
profunda. A gralha,
a jornalista
do bosque, não podia ver os seus amigos
assim e foi investigar
o que tinha acontecido.
Da
aldeia mais
próxima trouxe a
história como a
ouviu. “Diz-se que a Cruz de Cristo tinha
sido feita da
madeira dura
e resistente de azevinho.”
Mas
nenhum ser do bosque sabia
quem era Cristo.
A gralha
jornalista
continuou: “Das folhas
se fez a sua
coroa de espinhos e as
bagas
simbolizam o sangue
que derramou. Usam-se
como decoração de Natal,
altura em que
se celebra o nascimento
de Cristo.”
Mas
os seres do bosque continuavam
sem saber quem era
Cristo.
A gralha
jornalista
terminou: “Para
as pessoas o azevinho
é um símbolo protetor e sagrado.”
“Sagrado!?”
perguntaram
em uníssono. “Como puderam roubar
uma coisa tão
sagrada
para nós e para
elas, em vez de a
virem contemplar no nosso bosque?!”. Ninguém
entendia.
Dias
mais tarde, a
gralha jornalista
voltou com notícias: algumas
pessoas estavam
mesmo preocupadas
que os azevinhos pudessem desaparecer
e criaram uma
lei que não deixava
mais ninguém magoá-los
ou roubar-lhes as
bagas.
Todos festejaram esse dia no
bosque. Até Gilda, a
amiga gilbardeira
do Zé Picos se juntou à festa.
Apesar
de ser apenas
um arbusto, Gilda
tinha tanto
em comum com esta família
de azevinhos: o estar
sempre verde, os espinhos, as flores pequenas
e, o mais maravilhoso
de tudo, as bagas
vermelhas, redondas
e carnudas.
A família
de Zé Picos estava
protegida, mas
ninguém se lembrara
da família
de Gilda e, nessa
noite, também as
suas bagas
desapareceram.
O ribeiro encheu-se com as
lágrimas dos habitantes
do bosque.
Plantas
e animais
juntaram-se à
volta da clareira
pedindo à Lua que ensinasse
as pessoas a
protegerem o seu bosque no sopé da montanha.